quarta-feira, 3 de maio de 2017

Depois da greve geral

Por Guilherme Boulos, na revista CartaCapital:

Na sexta-feira, 28, o Brasil parou. Foi a maior greve geral dos últimos 30 anos, segundo muitos relatos. Maior que aquela de 1989 e comparável à grande greve de 12 de dezembro de 1986, após o fracasso do Plano Cruzado 2, no governo Sarney.

A paralisação dos transportes foi decisiva, como o é em qualquer greve geral. Mas importantes categorias de trabalhadores também decidiram cruzar os braços: bancários, professores (inclusive das escolas particulares), metalúrgicos, químicos, petroleiros, dentre outros. As ruas das grandes cidades ficaram vazias.

Além disso, os movimentos populares organizaram bloqueios em dezenas de rodovias e avenidas centrais em todo o País. Acessos a aeroportos e aos centros comerciais ficaram travados. Aos que reclamaram, taxando os bloqueios de "abusivos", talvez esperassem que a greve fosse feita nos sambódromos. Greve geral de fato é para parar e os desafio a encontrar uma na história que não tenha recorrido à tática dos piquetes como forma de mobilização.

O dia foi encerrado com importantes protestos. Em São Paulo, mais de 75 mil manifestantes marcharam do Largo da Batata até a casa de Michel Temer. Dezenas de milhares se concentraram no centro do Rio de Janeiro. Nos dois casos, houve repressão violenta por parte da polícia. Destaque-se, em relação à violência policial, o caso do estudante Mateus Ferreira da Silva, que está internado em estado grave após ter sido atingido por policiais com uma paulada na cabeça durante a manifestação em Goiânia.

A greve teve também seus presos políticos. Em meio a dezenas de detidos em todo o País e posteriormente liberados, três militantes do MTST permanecem presos em São Paulo sob as incríveis acusações de "explosão" e "incêndio criminoso". Juraci Alves dos Santos, Luciano Antonio Firmino e Ricardo Rodrigues dos Santos estão neste momento em presídio, criminalizados por participarem de bloqueios na greve geral.

A repressão policial não foi capaz, porém, de ofuscar a dimensão da greve. Desnorteado e sem conexão com a sociedade, o governo Temer quis sustentar o "fracasso" do movimento que parou o País. O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, comparsa do "grande chefe" da Operação Carne Fraca, falou que as manifestações foram "pífias". Convenhamos, pífio é ter um tipo como Serraglio no Ministério da Justiça. De toda forma, nos bastidores o próprio governo assustou-se com o tamanho da paralisação, como relatou o jornalista Kennedy Alencar.

E agora?

O recado foi contundente, independente das versões ou apelos à "pós-verdade". A questão agora é quais serão os próximos passos do movimento social. E isso dependerá, em grande medida, de como o Congresso Nacional entenderá a forte mensagem da greve geral do dia 28.

A primeira hipótese é o Parlamento ouvir o clamor das ruas e recuar na aprovação das reformas. As mudanças na previdência enfrentam rejeição de mais de 90% da sociedade, segundo a última pesquisa CUT/Vox Populi. A reforma trabalhista, que ainda pode ser barrada no Senado, também é amplamente rechaçada. E diferentemente de Temer, os deputados e senadores terão de enfrentar as urnas no próximo ano. Ou seja, têm mais a perder. Este entendimento começa a se expressar em divisões na base do governo, com as prováveis defecções do PSB e Solidariedade e a rebelião na bancada do PMDB no Senado.

Se isso ocorrer, as mobilizações terão sido vitoriosas e o governo Temer poderá ficar com seus dias contados. Sem as reformas, Temer torna-se dispensável aos setores econômicos que o sustentam. O que mantém um presidente com 5% de aprovação no cargo, ainda mais um não eleito, é apenas a confiança da banca de que poderá garantir seus interesses.

A hipótese de recuo do Congresso não parece, no entanto, a mais provável. Apesar do sucesso da greve e da forte rejeição às reformas, o comando do Parlamento parece apostar na tática da "fuga pra frente", ou seja, sustentar-se no apoio da elite econômica para preservar suas posições diante das graves denúncias de corrupção. Trata-se de um Congresso sob suspeita, com os chefes das duas Casas investigados por venda de Medidas Provisórias para a Odebrecht.

Por isso, a linha de manter as reformas para salvar o pescoço pode prevalecer. A aposta, evidentemente, é de alto risco. Significaria voltar as costas para 90% da sociedade brasileira, fechar os ouvidos e pisar no acelerador.

Se assim o fizerem e colocarem as reformas na pauta de votação, o resultado será o aprofundamento do conflito social no País. Um Congresso desmoralizado insistindo em aprovar medidas amplamente rechaçadas pelo povo pode ser o estopim para convulsionar de vez as ruas e a conjuntura política.

Neste caso, não restará outra alternativa aos movimentos sociais senão aumentar a contundência das mobilizações. Novas greves gerais poderão ser convocadas. E principalmente o deslocamento do eixo de mobilizações para Brasília, com forte potencial de radicalização. E não será a radicalização de pequenos grupos, alvo fácil para a estigmatização midiática. É possível que, pela primeira vez em décadas, vejamos o fenômeno de radicalização de massa no Brasil.

Os próximos dias serão decisivos para definir qual será o caminho na encruzilhada. E este caminho dará uma indicação do que ocorrerá no país nos próximos anos.

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