quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Algum juiz já pediu o fim de seus privilégios?

Por Luiz Moreira, na Rede Brasil Atual:

De uns tempos pra cá é repetido exaustivamente o mantra “a lei é para todos”, como se houvesse alguma universalidade nos privilégios que juízes e membros do Ministério Público desfrutam.

Vejam bem: a Constituição da República, como obra política, é prenhe em contradições; diz que todo o poder emana do povo e conduz a poder de Estado uma instituição (o Judiciário) que é órgão, mas não poder, por não emanar da soberania popular.

Entre os muitos equívocos conceituais da ciência jurídica brasileira está o desprestígio à legislação, que se constituiu a partir da transformação da interpretação constitucional em decisionismo, em que o capricho individual de juízes e de membros do ministério público passou a substituir a lei. Não gostou ou não concordou, afasta-se a aplicação da lei por “entendê-la” inconstitucional.

Voltemos ao mantra “a lei é para todos”: algum de vocês já ouviu juiz ou associação de juízes defender envio, pelo Supremo Tribunal Federal, de anteprojeto de lei para substituir a Lei Orgânica da Magistratura? Também já escutou algum juiz ou membro do Ministério Público defender que juízes ou membros do MP sejam denunciados e julgados pela primeira instância, como os demais cidadãos?

Isto é, defendem que políticos percam o foro privilegiado, mas pretendem conservá-lo.

Vocês já ouviram juiz federal ou mesmo a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) bradar pela revogação do pagamento de três subsídios líquidos (sem incidência de imposto de renda) associado à licença de 30 dias para seus deslocamentos no caso das remoções voluntárias (remoções a pedido) a cada dois anos?

Então, você que leu esse texto até agora já imaginou como seria interessante se os cidadãos fossem julgados com as mesmas garantias dos juízes? Que atos de corrupção fossem punidos com aposentadoria integral? Já ouviram defender a perda de seus cargos antes do trânsito em julgado, já na segunda instância?

A questão do Brasil não é que “a lei não é para todos”; é que uns deixam de aplicar as leis por mero capricho, transformando o Direito em mera “vontade”. Exemplo disso foi a transformação do instituto da condução coercitiva em ato de arbítrio judicial, com a qual juízes passaram a determinar medidas que abertamente contrariam a previsão legal. Entre a lei e o capricho, optaram pelo capricho.

Ademais, o Brasil nunca deixou de ter direito ou “Estado de direito”, pois o direito sempre institucionalizou a violência decorrente dos golpes na democracia. Sempre houve Direito no Brasil. O que poucas vezes houve foi país regido pela soberania popular.

Exemplo desse arbítrio é o que sofre Lula. Reparem no que pleiteia Lula. Está Lula a pleitear algo acima da lei?
Lula pleiteia apenas ser julgado pelo que foi produzido nos autos de seus processos. Ele pleiteia provas. Quem as detiver, apresentem-nas.
 
Ao contrário, o que há é a luta de Lula para demonstrar sua inocência, enquanto jurídica seria unicamente a exigência de a acusação provar o que alega contra ele. Porém, o que assistimos diariamente são juízes e seus assessores pregarem que Lula, mesmo inexistindo provas, deve ser condenado e quem se opuser favorável é à institucionalização da corrupção no Brasil.

No entanto, ao que parece, a decisão já foi tomada muitos anos antes do presente momento, de modo que as denúncias e as decisões judiciais apenas realizam esse desejo de excluir da vida pública a maior liderança popular do Brasil. Assim, forjou-se entrelaçamento entre mídia e sistema de Justiça cujo propósito não é abrir oportunidade para Lula se defender, mas confirmar judicialmente a vontade de que Lula, com ou sem provas, seja condenado.

Essa a consequência de o decisionismo judicial prevalecer sobre a previsão legal: o arbítrio judicial alcançará a quase todos.

* Luiz Moreira é jurista e ex-integrante do Conselho Nacional do Ministério Público.

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